Petit: o milagreiro que espreita novos desafios
4 min readHá treinadores que se mantêm fiéis ao seu perfil enquanto jogadores. O mais badalado, talvez, seja El Cholo Simeone. A agressividade que impunha em cada lance nos tempos em que jogou no Atlético de Madrid, Inter ou Lazio é agora transportada para os seus fiéis escudeiros colchoneros. E os resultados não têm sido menos do que espectaculares.
Em Portugal, mora um treinador cujos princípios se assemelham aos de Pablo Simeone, muito embora ambos vivam em latitudes futebolísticas completamente díspares. Falamos de Armando Teixeira, conhecido como Petit no mundo do futebol, um técnico que parece talhado para os milagres. Se por um lado Simeone se intromete na luta pelos títulos entre dois colossos que dispõem de armas de maior envergadura, Petit lá vai tentando reverter inevitabilidades no fundo da tabela com plantéis em que a qualidade individual deixa muito a desejar em relação a todas as outras equipas.
O antigo médio fez um autêntico brilharete com o Boavista do ano passado – onde constavam nomes como Aaron Appindangoye, Brayan Beckeles, Wei Shihao, Michael Uchebo, Quincy Owusu ou Christian Pouga – e resistiu estoicamente a uma despromoção que parecia inevitável. Nesta temporada, depois de sair do Bessa por razões pessoais, assumiu em Dezembro o Tondela e as últimas partidas demonstraram que o milagre de ficar na divisão maior é complicado, mas não impossível. Daí que Petit seja o destaque nacional desta semana.
Há muito no fundo da tabela e praticamente condenado a regressar à Segunda Liga, o Tondela nas últimas semanas mostrou que está na luta e que a desistência não é opção – uma predisposição que assenta que nem uma luva a Petit nos seus tempos de jogador, influenciado por Jaime Pacheco e Giovanni Trapattoni, dois técnicos que privilegiavam a atitude agressiva nos seus pupilos.
Embebido nesta filosofia, Petit já deixou a sua marca no clube tondelense, por muito que não consiga conquistar a manutenção. A esperança é a última a morrer, como diz o povo, e os recentes resultados provam isso mesmo: duas vitórias e um empate nas três jornadas pretéritas – a melhor sequência do clube – reavivaram o sonho de conquistar mais um ano na Primeira Liga.
Ao longo das 29 jornadas já disputadas, o Tondela conseguiu arrecadar 10 resultados que se podem considerar positivos tendo em conta o seu estatuto: 5 vitórias e 5 empates. 70% desses bons resultados foram durante o consulado de Petit, que conseguiu 3 vitórias e 4 empates em 17 partidas. Vítor Paneira e Rui Bento, os treinadores que antecederam Petit, arrecadaram duas vitórias e um empate em 12 jogos. Entre os bons resultados do luso-francês, destaque para as vitórias fora de portas frente ao FC Porto e Rio Ave e ao empate em Alvalade.
Este melhoramento de Petit em relação aos seus precedentes prende-se sobretudo com uma aposta mais qualificada no ataque. O que significou, concomitantemente, um maior desleixo defensivo. Vamos a números: o Tondela fez até hoje 26 golos no campeonato e 21 deles foram alcançados durante a vigência de Petit; nas 12 partidas que Rui Bento e Paneira orientaram, o Tondela apenas concretizou 5 golos. Do ponto de vista defensivo, porém, os números são outros: Petit sofreu 32 golos em 17 jogos, ao passo que a outra dupla consentiu 17 golos nas tais 12 jornadas. Em suma, Petit apostou numa filosofia mais atacante e retirou dividendos: sofreu mais golos, é certo, mas marcou mais e conquistou mais pontos, ao ponto de fazer sonhar os adeptos que é possível não descer de divisão.
Apesar de passar a época toda em último lugar, o Tondela nesta altura não é o pior ataque nem tem a pior defesa, o que aparentemente parece um contra-senso. Com efeito, o Tondela é apenas o terceiro pior ataque, à frente de Boavista e União da Madeira, e é a quinta pior defesa, superando Académica, Vitória de Setúbal, Marítimo e Belenenses.
Seja como for, o Tondela ainda está numa posição bastante delicada e precisa de sete pontos para ficar acima da linha que separa os que se mantêm daqueles que descem de divisão. Faltando apenas 5 jornadas para o final da temporada, a tarefa continua complicadíssima, mas mais verosímil do que no mês passado. O Tondela vai defrontar dois adversários directos (Académica e Vitória de Setúbal), o Rio Ave – que venceu no Estádio dos Arcos – e o Braga e Paços de Ferreira, equipas tradicionalmente difíceis de defrontar nesta altura.
Conseguirá Petit manter o estatuto de milagreiro que granjeou no Boavista? Aconteça o que acontecer, o técnico já mostrou que tem pulso para a profissão e provou que merece orientar uma equipa com outra estrutura e com condições para lutar por algo mais do que se manter à superfície da linha de água.