Escrito por: Cláudio Moreira
Como diria o nosso ministro da Economia, António Pires de Lima, a semana transacta foi fértil em tarjas e tarjinhas. E foi muito para além disso – houve polémica a rodos entre os clubes da Segunda Circular com direito a todos os condimentos: exercícios de leitura num púlpito, comentários em jornais, comunicados e indirectas nas redes sociais. A algazarra foi de tal ordem que a nossa comunicação social, de forma acidental, claro, deixou passar em claro o facto mais grave do comunicado escrito por Bruno de Carvalho. Assim rezava um trecho dessa bela prosa:
“Ainda me lembro de Luís Filipe Vieira, mal fui eleito, a pedir várias vezes ao seu amigo da Doyen, Nelio Lucas para me levar a sua casa tomar o pequeno almoço, convite que sempre recusei. De andar a correr atrás de mim na Liga a tentar convencer-me a fazer uma aliança consigo e que assim poderíamos ir alternando as vitórias no campeonato, pretensão a que nunca anui. Nas vezes em que a falta de uma resposta positiva minha a essa pseudo aliança o levavam a entrar no meu carro, quando eu não estava presente, tentando convencer o meu motorista das virtudes de uma aliança”.
Ora bem, à excepção do jornal O Jogo e do testemunho inflamado de Bernardino Barros no Porto Canal, este trecho do extenso comunicado de Bruno de Carvalho foi olimpicamente ignorado – reitero a ideia de que foi acidental – por rádios, televisões e restante imprensa. O que temos aqui, afinal? Temos o presidente do Sporting a dizer explicitamente que o presidente do Benfica se abeirou dele tendo em vista a partilha das vitórias no campeonato. O mesmo é dizer que Luís Filipe Vieira pretendia garantir campeonatos ao Benfica e Sporting, deixando o outro crónico candidato fora da corrida. Mas como poderia Vieira garantir isso? Não poderia ser de outra forma senão através da viciação de resultados.
Portanto, face a uma acusação gravíssima de um presidente de um clube grande em relação a outro, a comunicação social em geral não só faz ouvidos de marcador como promove ideias sem qualquer relevância do texto de Bruno de Carvalho, como de Vieira querer ser o novo Papa do futebol português. O que é este destaque comparado com uma acusação de manipulação de resultados? Está um elefante na sala e as Bolas, Records, DNs, Correios das Manhãs, Dias Seguintes e Trios de Ataque esforçam-se para não o ver. José Mourinho em tempos deu nome a este fenómeno: prostituição intelectual. Sem tirar nem pôr. Este caso, como outros, está envolto numa teia de prostituição intelectual.
Está visto, então, que a comunicação social não se portou bem neste caso, relevando lugares-comuns e rejeitando explanar uma acusação de corrupção e promover um debate sério sobre o assunto. Acreditando no testemunho do presidente leonino, os dois actores principais neste diferendo também não ficam bem na fotografia, por muito que se queira fazer passar a imagem de que Bruno de Carvalho sai incólume disto tudo. Senão, vejamos:
i) por um lado, Vieira tenta aproximar-se repetidamente de Bruno de Carvalho para uma aliança. Uma aliança alicerçada em manipulação de resultados que garante títulos para ambos os clubes. Para além do óbvio que toda a gente parece ignorar, o presidente do Benfica age contra o seu próprio clube, propondo que deixe de ganhar campeonatos em detrimento do Sporting. Só para que não seja o FC Porto a ganhá-los. Brilhante!
ii) Bruno de Carvalho percorre os corredores da UEFA e da FIFA a barafustar contra tudo e contra todos. Inicia cruzadas contra fundos e contra o FC Porto por não permitir que um jogador emprestado jogue contra si. Faz trinta por uma linha e perante uma proposta de instrumentalização de resultados de um clube rival fica quedo e mudo?! E continua a apertar a mão a Vieira depois de uma proposta com estes pressupostos? A verdade desportiva ficou na gaveta? Se não houvesse esta polémica entre as claques, Bruno de Carvalho ia falar sobre este caso quando? De facto, para quem se arrogava de ser o Comandante do Navio da Verdade, Bruno de Carvalho naufragou e desempenhou na perfeição o papel de Schettino.
Posto isto, e partindo do pressuposto que Bruno de Carvalho fala verdade, fica a questão: para quando um Apito Vermelho? Depois de Eusébio afirmar que facilitava quando jogava contra o Benfica, depois de Jupp Heynckes alegadamente se ter encontrado com um jogador romeno para combinar resultados, depois de Jorge Coroado assumir que dirigentes do Benfica levavam árbitros internacionais a casas de má fama, depois de Howard King, antigo árbitro, ter assumido que lhe foram oferecidas meninas depois dos jogos, depois do caso Calabote, depois de Vieira ser apanhado a escolher árbitros, depois do Benfica ser brindado com perdões pelo Governo e Câmara Municipal de Lisboa, invariavelmente é passada uma borracha sobre estes assuntos. Até quando vamos ignorar estas incidências?
Já sei que a massa adepta do Benfica ao ler este texto vai vociferar: “E o Apito Dourado? E as escutas?”. Não será a vossa previsibilidade a espantar-me. Pois bem, meus senhores, quer queiram, quer não, em relação ao FC Porto, o Apito Dourado reporta-se a dois jogos em que supostamente houve corrupção (e apenas ganhou um). Dois jogos que para muita gente é sinónimo de 30 anos de manipulação. Seja como for, essas duas partidas deram azo a investigações, a abertura de processos, a arquivamento de processos, a reabertura de processos, a um livro, a um filme realizado pelo marido da pessoa que escreveu o livro, a escutas no Youtube, à devassa da vida privada de Pinto da Costa e sabe Deus mais o quê. Passados mais de 10 anos, ainda hoje é tema de conversa e faz capas de jornais. Em relação ao Benfica, todas as suspeitas, todos os indícios são mortos à nascença. Nada se fala, nada se discute, nada se faz. Comportamentos completamente antagónicos para situações semelhantes. Fica novamente a questão: para quando um Apito Vermelho?
Se tudo isto for uma enfabulação da cabeça de Bruno de Carvalho, que seja devidamente punido. Mas é estranho que o Benfica não tenha negado esta acusão gravíssima…
Nota: Paulo Sousa: “FC Porto podia ter resolvido a eliminatória”; Fabian Frei: “Sinceramente, não tinha visto uma equipa tão forte neste estádio nos últimos dois ou três anos (…) O Real é incrível do ponto de vista individual, mas colectivamente o FC Porto é mais impressionante”. Estes foram os títulos escolhidos pelos jornais Sol e Observador, que não têm qualquer cariz desportivo:
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