O estranho caso de Rúben Neves
4 min readO menino Rúben Neves é, sob vários pontos de vista, um caso estranho. E não é complicado enumerar as razões: i) saiu do anonimato com 17 anos, directamente dos juvenis para a equipa principal; ii) revela uma maturidade invulgar para a idade, dando a sensação de que a idade no seu B.I. está uma década atrasada; iii) conseguiu vingar no FC Porto, um clube que raramente aposta no desenvolvimento de jogadores das suas escolas e iv) logrou ser o capitão mais jovem de sempre a actuar na Liga dos Campeões. Por tudo isto e não só, para mim, o jovem de Mozelos é o talento mais reluzente a despontar das camadas jovens portuguesas desde Cristiano Ronaldo, ainda maior do que William Carvalho ou Bernardo Silva, dois outros jovens cheios de qualidade e que estão nas cogitações dos clubes com maior poderio financeiro.
Porém, Rúben Neves também é um caso estranho porque apesar do seu percurso no FC Porto ainda não mereceu a confiança de Fernando Santos para ser chamado à selecção. Uma ausência que só se justifica pela distracção do engenheiro do Penta. É que não falta qualidade futebolística, maturidade, experiência, capacidade de liderança e técnica para fazer parte do lote de habituais escolhas de Portugal, um país onde talentos deste calibre não germinam com muita frequência.
Tendo em consideração este estranho esquecimento, fui recolher alguns dados e estabelecer comparações com casos análogos ao de Rúben Neves. O médio, até hoje, entre jogos nas selecções jovens e equipa principal do FC Porto, já jogou 3127 minutos, o que, em média, se traduz em 34.7 jogos completos. Considerando este número e, sobretudo, a qualidade das suas exibições – inclusivamente na Liga dos Campeões, medindo forças com Chelsea ou Bayern de Munique –, ainda não conseguiu sequer ser chamado à selecção nacional. Vejamos outros casos bem recentes:
Nélson Semedo: O lateral que se mostrou ao mais alto nível no princípio desta temporada necessitou de 810 minutos (média de 9 jogos completos) para que Fernando Santos confiasse em si para integrar pela primeira vez os trabalhos de Portugal.
William Carvalho: O médio leonino precisou apenas de jogar 798 minutos (média de 8.8 jogos completos) para merecer a confiança do seleccionador Paulo Bento, embora a sua estreia não ocorresse desde logo.
Pedro Tiba: O centrocampista, que actualmente está ao serviço do Valladolid na segunda divisão espanhola, jogou 2247 minutos (média de 24.9 jogos completos) no Vitória de Setúbal até ser chamado pela primeira vez à selecção.
Gonçalo Guedes: Aquele a quem já apelidam de novo Cristiano Ronaldo foi chamado por Fernando Santos depois de actuar durante 1652 minutos (média de 18.3 jogos completos) pela equipa principal do Benfica. Tem, tal como Rúben Neves, 18 anos.
André Martins: O pequeno médio sportinguista, de quem pouco se tem visto ultimamente, jogou com alguma regularidade com Leonardo Jardim; precisou somente de 2389 minutos de competição (média de 26.3 jogos completos) para ser convocado para a selecção.
André Almeida: O benfiquista de 25 anos, de quem ainda não se sabe qual a sua melhor posição em campo, teve de jogar 2769 minutos (média de 30.7 jogos completos) para merecer uma chamada de Paulo Bento.
Ivan Cavaleiro: O ‘terrível’ extremo formado no Benfica conseguiu ser chamado à selecção principal depois de actuar 625 minutos (média de 6.9 jogos completos) pela equipa principal das águias.
Ricardo Horta: O jovem extremo, formado no Benfica e dado a conhecer pelo Vitória de Setúbal, necessitou de jogar 2898 minutos (média 32.2 jogos completos) para se estrear numa convocatória da selecção principal.
Face a estes números e à consequente correlação com os de Rúben Neves, deixo as conclusões para o leitor.
Outro caso inusitado nesta matéria de convocações diz respeito a André Silva, avançado que tem actuado no FC Porto B com grande acutilância e que, não sendo um caso tão gritante como o de Rúben Neves, também tem o seu q.b. de estranheza. Senão, vejamos: André já facturou por 9 vezes em 10 jogos na segunda liga portuguesa e não foi chamado por Fernando Santos; por outro lado, Lucas João, que marcou 4 golos em 17 partidas no segundo escalão britânico, já foi digno de ser chamado pelo engenheiro. E Nélson Oliveira também, cujo pecúlio na actual temporada cifra-se em 1 golo em 8 presenças no Notthingham Forest, igualmente da segunda divisão britânica. Qual foi o critério, então, que levou à chamada destes dois e à ausência de André Silva?
A título de curiosidade, Nélson Oliveira tinha marcado 2 golos em 7 jogos pelo Benfica quando foi convocado pela primeira vez para a selecção. Outro caso envolto em curiosidade é o de Rui Fonte: o avançado foi chamado pela primeira vez na época 2014/2015 numa altura em que levava 1 golo em 7 partidas pelo Belenenses; antes, havia feito 17 golos em 21 jogos pelo Benfica B.
Neste caso, tal como no de Rúben Neves, deixo que seja o leitor a interpretar a estranheza destes números. De resto, o futuro encarregar-se-á de demonstrar como irão prosseguir as carreiras de todos os futebolistas aventados. E cá estaremos para constatar estas estranhezas.