Escrito por: Cláudio Moreira
Depois da fanfarronice do costume, o duro choque da realidade. De facto, começa a ser um hábito o Porto colocar os rivais benfiquistas no sítio. Já lá vão quatro anos do mesmo. Mas quem diria que desta vez seria um reguila de 19 anos, que há uns dias foi apanhado a conduzir sem carta, a dar mais um banho de humildade às hostes encarnadas? A imprensa já dava como certa a conquista o 33.º título do Benfica, os jogadores já festejavam por antecipação na Madeira, os adeptos já entoavam o cântico «Campeões, campeões!», o Marquês estava novamente reservado – tal como na final da Liga Europa de há dois anos, lembram-se? –, ex-jogadores já exultavam um título não garantido, Lima e Gaitan já abriam o champagne (devem ter ficado com uma congestão…), Jesus já falava em ganhar tudo quando, no início da temporada disse, para quem quis ouvir, que já tinha ganhado juízo e que o campeonato seria a prioridade.
O puto Kelvin, munido de um penteado de fazer inveja ao homem mais extravagante do planeta, disse não a tudo isso. Cancelou a encomenda das faixas com um pontapé fenomenal. Imbuído de uma pressão tremenda, com um ambiente de quase desolação, com o tempo a andar tão, tão rápido e com um ângulo complicado, Kelvin desferiu um remate apenas ao alcance dos predestinados. Tinha que ser assim, daquela maneira, naquele sítio. Silenciou milhões de pessoas, fez explodir outros tantos, mexeu com o coração de todos e prostrou o Mestre da Táctica, que se ajoelhou perante tamanha obra de arte. Que momento de futebol! O maior clube do mundo estava na lama. Outra vez.
Durante a época dos túneis, o Benfica poderia ser campeão no Dragão. Foi? Não! Mesmo com Olegário Benquerença (porque é que estás más arbitragens a favorecer o clube dos 6 milhões nunca vem à baila?) a fazer força para que isso acontecesse, o FC Porto conseguiu vencer de forma hercúlea, mesmo com dez elementos em campo. Na temporada seguinte, uma razia completa: Supertaça ganha (com uma excelente arbitragem de João Ferreira), derrota por 5-0, campeonato matematicamente ganho no Estádio da Luz (também com Duarte Gomes a assinar uma primorosa arbitragem) e viragem completa na Taça de Portugal. No ano transacto, novamente a Luz serviu de salão de festas (não venham falar do Maicon, que depois serei obrigado a falar do voleibol do Cardozo e por aí adiante…) e este ano é o que nós sabemos. As ensaboadelas pareecm não ter fim. Ainda bem, digo eu!
Contudo, olhando para este historial recente, pergunto-me: será que o Benfica, ou melhor, os responsáveis do Benfica aprenderam alguma coisa com o passado, deixaram a euforia desmedida de lado e passaram a olhar os adversários olhos nos olhos em vez de olharem de cima para baixo, como é habito? A resposta é não. O Benfica tinha acabado de perder uma oportunidade de ouro para cimentar o primeiro lugar na Liga, enfrentava o campeão europeu na Liga Europa, ainda não tinha alcançado absolutamente nada, e qual foi a tónica de Jorge Jesus? Estar na final da Liga dos Campeões do próximo ano. Perante tamanha falta de humildade, a justiça divina imperou uma vez mais: derrota ao cair do pano, deixando uma margem quase nula para disputar o que faltava do jogo. Era-me indiferente o Benfica ganhar ou perder; todavia, perante uma pesporrência inaudita, digo que foi muito bem feito o clube da Luz ter perdido naquelas circunstâncias. Em menos de uma semana, duas banhadas de modéstia para o Doutor do Povo e companhia.
Ainda assim, a imprensa avermelhada continua a fazer, e bem, o seu trabalho de branqueamento das fragilidades benfiquistas. O Porto e o Chelsea não ganharam, o Benfica é que perdeu. Os adversários não tiveram mérito, o Benfica é que sofreu de um sortilégio misterioso. O Benfica fez um campeonato imaculado, dizem eles, como se o FC Porto também não o tivesse feito; aliás, não fiz as contas, mas os azuis-e-brancos nos últimos cem jogos (ou perto disso) para o campeonato apenas perderam uma vez, e todos nos lembramos do empurrão que Bruno Paixão deu para que isso acontecesse. Já com o Chelsea, parece que quem tem mais posse de bola mas se engasga a rematar merece ganhar. Isto dos merecimentos é altamente subjectivo, mas os dados são concretos: Chelsea marcou dois, Benfica marcou um, Chelsea teve dois remates perigosos, um deles na trave – ao todo foram 8 ou 9 na prova; porque é que nunca falaram no azar dos adversários? – e o Benfica um. Como está na moda dizer-se, foi tudo limpinho, limpinho, limpinho.
Apesar de tudo, sou capaz de reconhecer o bom trabalho de Jesus à frente da equipa. Não me restam dúvidas de que a época teria sido mais tenebrosa sem o Exterminador Implacável ao leme da nau benfiquista. No que diz respeito à sua renovação, tenho muitas dúvidas. Jesus fez os benfiquistas sonhar como há muito ninguém fazia, mas também desiludiu a massa associativa como mais ninguém nos últimos tempos. E, mais importante de tudo, perdeu sistematicamente para o FC Porto. O que eu sei é que no meu clube perder 3 campeonatos consecutivos para o rival, seja de que forma for, jamais daria azo a renovação de contrato. As próximas semanas serão esclarecedoras.
Nota 1: Deixo aqui a minha homenagem ao meu colega de bancada Duarte Pernes por ter passado uma noite inteira ao relento, na esperança de conseguir arranjar bilhetes para o jogo decisivo do campeonato. Infelizmente, o seu estoicismo foi infrutífero e teremos de ver o jogo pela televisão, salvo algum milagre de última hora. Ainda assim, é de assinalar o seu esforço e de outras tantas centenas de adeptos.
Nota 2: Os adeptos acorreram em massa às bilheteiras do dragão, na ânsia de arranjarem ingressos para os jogos de andebol e hóquei. A solidariedade e respeito entre adeptos foi fenomenal, tudo correu de forma ordeira. Contudo, não posso deixar de assinalar, e não é a primeira vez que o faço, a desorganização que as pessoas afectas ao FC Porto protagonizaram. Centenas de adeptos plantados à espera, a grande maioria deles com pressa para chegar ao trabalho, e apenas 3 pessoas a atender. Cheguei às 8h20 à bilheteira, ela abriu às 9h e só comprei os ingressos perto das 10h30. Se muitas vezes elogiei a organização portista, hoje não posso deixar passar este facto negativo, que poderia ser muito bem evitado.
Saudações