Entrevista a Werick Caetano – “No Barcelona? É o famoso tiki-taka que eles ensinam na La Masia”
9 min readCom dupla nacionalidade, espanhola e brasileira, Werick Caetano nasceu em Gurupi, no Brasil mas muito cedo se mudou para a Catalunha para viver na cidade do seu pai. Entrar no futebol não foi inicialmente a sua ideia mas confessa que aos poucos lhe ganhou o gosto.
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O hispano-brasileiro teve escola na La Masia, conviveu com Neymar e companhia, foi colega de Puig e de Abel Ruiz, que agora representa o SC Braga, e está pronto para mostrar o que vale em Inglaterra, numa equipa com várias caras conhecidas do futebol português.
Made in Sant Quirze de Besora
“Comecei a minha carreira na Espanha, fui criado praticamente sempre em Sant Quirze de Besora, um município espanhol na província de Barcelona, contudo, eu nasci no Brasil. Eu acabei por me mudar para Espanha com a minha mãe, Rejane Maciel e o meu pai, Miquel Font (que é catalão) à procura de uma vida melhor. Eu comecei no clube pequenino da minha terra, estive lá três anos e acabei por me mudar para o Barcelona.”
“Fome? Estivemos perto mas nunca tivemos”
“A vida no Brasil? Eu cresci no Brasil, num bairro bastante movimentado, nunca passei fome, estivemos perto de passar fome mas isso nunca aconteceu. Os meus avós fizeram de tudo por nós, cuidaram de nós, não nos deixaram passar fome, não nos deixaram passar frio. Lutaram sempre por nós, por mim e pelos meus irmãos. Temos imenso que agradecer aos nossos avós. A nossa casa era bem grande. A nossa mãe fez-nos mudar de país à procura de uma vida melhor.”
A mudança para a Catalunha
Acaba por sair de Gurupi para Sant Quirze de Besora, uma cidade na região de Osona, a 23km de Vic.
“A mudança para a Espanha foi porque o meu pai é catalão. Foi esse o principal motivo da mudança. No começo foi difícil, muito difícil. Eu não queria mudar-me, o meu irmão também não queria sair do Brasil. Com os poucos fomos apercebendo que era a melhor opção para nós. Estávamos com medo da mudança. Mas foi difícil a adaptação, custou bastante mas depois lá nos fomos habituando.”
O espanhol e o catalão
“O meu espanhol não foi um problema, como estávamos em adaptação e eramos muitos novos nunca tivemos grandes dificuldades. Aprendemos o espanhol e o catalão. As duas línguas em simultâneo.”
Com 14 anos e a jogar num dos maiores clubes do mundo
“A ficha só caiu no fim da primeira temporada, até lá só me estava a divertir. Só depois comecei a perceber que estava no maior clube do mundo. Era algo que me fazia levantar todas as manhãs com vontade de realizar os meus sonhos.”
Riqui Puig e Abel Ruiz
“Obviamente que tinha uma equipa com muitos talentos, mas destaco o Puig e o Abel Ruiz. O Riqui é um jogador magnífico. É muito inteligente, hábil, é muito o estilo de atleta que o Barcelona precisa. Dentro de dois ou três anos ele está a jogar no meio campo da equipa titular, não tenho dúvidas. O Abel Ruiz mudou-se para o Braga agora em Janeiro. Ele tem veia goleadora, é um avançado nato, tem faro para o golo, tem qualidade monstruosa, tem tudo para certo no Braga.”
Neymar e companhia
“Fiz grandes amizades, conheci grandes profissionais. O Neymar, o Rafinha, o Adriano. Tudo gente humilde, gente que nos ensinava. Relativamente ao Neymar, tive a sorte de o conhecer, é muito gentil, sempre foi muito simpático comigo. Ele é a pessoa em que me inspiro. É um craque, já o vi a fazer coisas absurdas no treino.”
Así nace una estrella
“O meu pai acabou por nos inscrever na escola de futebol da cidade. Eu não tinha o mínimo interesse em jogar futebol, nunca tinha tido a ideia de jogar futebol. Acabei por ir, gostei, virou rotina. O futebol surgiu para fazer novos amigos, ganhar rotinas diferentes. Aos poucos fui-me descantando e e fui subindo de categoria até onde estou hoje.”
“Ele foi a peça fundamental na minha transição para o Barça”
A importância de Raúl Vall
Na altura foi Raúl Vall, olheiro do Barcelona que avisou deu o sinal que no pequeno clube onde Werick jogava um craque. Que recordações tens de Raúl Vall?
“Raúl Vall foi importante para minha transição para o Barcelona. Ele aconselhou-me muito bem e ajudou-me bastante. Ele é um homem muito humilde. Se lhe pudesse dizer algo? Não tenho como expressar todas as palavras de agradecimento. Ele foi a peça fundamental na minha transição para o Barça.”
A rotina em Barcelona
Uma vida monótona aquela que um jogador vive. Num círculo infinito entre as aulas e o jogo, o jogo e as aulas.
“O meu dia a dia eram apenas os estudos e os treinos. Quando estás no Barcelona é um estilo de vida diferente. Futebol de alta competição ou a estudar para finalizar os estudos. A minha vida era muito isso.”
Um Rivaldo de apenas 15 anos
Já no Barcelona, em 2014, Oriol Domènech, jornalista conhecido do Mundo Desportivo apelidou-te de Rivaldo. Como é que se gere o ego a ouvir um elogio destes?
“Incrível. Sensação de orgulho quando vi a notícia. Eu fiquei muito contente quando vi, foi um prazer, mas ainda estou muito longe do nível do Rivaldo. Aquela esquerda dele era diferente de todas as outras.
Os elogios e o medo do ego subir à cabeça
Mas como é que um rapaz de 15 anos reage e combate o “ego” ao ler tal elogio?
“Aos poucos, mesmo sendo novo, começas a entender que isto faz parte do futebol, as comparações. Obviamente que quando estás num clube tão grande como o Barcelona elas iriam aparecer. Eu acabei por absorver tais elogios de uma forma positiva, da mesma maneira que faço quando recebo críticas, tento absorver de uma maneira compreensiva, pegar pelo lado de tentar melhorar, sempre. Nunca deixei isso acontecer, nunca deixei subir à minha cabeça. Sempre fui muito humilde, venho de um lugar bem humilde”
A Seleção Brasileira e a vontade regressar
Com o potencial na montra da La Masia, Werick foi convocado pela primeira vez para a Seleção Brasileira Sub-18.
“A Seleção foi uma sensação muito boa, difícil descrever. Arrepiei-me quando me disseram que estava convocado. É indescritível defenderes o teu país! Quero voltar, é um motivo de orgulho.”
“A camisola número dez no Barcelona é pesada”
A camisola número 10
Começaste com o número 14, mudaste para o número 10. Ias alterando. Este facto de jogares com a camisola número 10, numa fábrica de talentos que é a La Masia, num clube como o Barcelona que já tinha Messi, o eterno 10 do clube catalão, mexeu alguma vez com o teu psicológico?
“Nós nos escalões mais novos as nossas camisolas vão rodando. Hoje és o camisola 10, para a semana que vem és o 8. Contudo, a camisola 10 é pesada no Barcelona. Eu sempre gostei de jogar com essa camisola, sempre dei o máximo. Essa camisola só pode ser dada para jogadores que saibam tratar bem a bola, este número foi usado por dezenas de grandes jogadores.”
Antes do sucesso, o azar, no meio da persistência e da dedicação
Tinhas sido “reprovado” na primeira tentativa de te juntar ao Barcelona, os teus pais, Miquel Font e Rejane Maciel, já tinham os bilhetes comprados para o Brasil de volta até que eles te voltam a chamar para uma outra partida.
“No Barcelona chamaram-me para fazer três jogos amigáveis em três semanas diferentes. Eles gostaram mas disseram que não foi suficiente. No primeiro jogo até que joguei bem, tal como no segundo, mas não foi o suficiente. Na terceira partida marquei golo, tive sorte, joguei muito bem e eles contrataram-me.”
A importância de Isidre Gil, o olheiro responsável pela descoberta de Xavi
Foi descoberto como já mencionamos pelo Raúl Vall, mas também por Isidre Gil, um olheiro do Barcelona com 30 anos de casa, responsável pela descoberta de Xavi.
“O Isidre Gil, foi a pessoa com mais peso da minha contratação para o Barcelona. Basicamente ele fez tudo para que eles me contratassem, ainda hoje mantenho contacto com ele, ele sempre apostou imenso em mim. Felizmente ainda estive lá três e meio e foi tudo graças a ele.”
O tiki-taka e a mentalidade vencedora
“Chegando ao Barcelona percebes que o difícil não é chegares lá, entendes que o mais difícil é manteres-te lá. Eu estive lá três anos e não consegui dar o salto, mas tens o Abel Ruiz, o Riqui Puig que foram meus colegas. Eles já lá estão há muitos anos. Era sempre jogo curto, jogo com muita posse bola, é o modelo do clube, é o famoso tiki-taka que eles ensinam na La Masia.”
A mudança para o Vasco
“O Vasco da Gama foi um passo rápido na minha vida, não me arrependo de ter ido, não considero um passo atrás na minha carreira, mas se hoje tivesse oportunidade de escolher eu não teria ido para o Brasil, mas foi a única opção que tive no momento. Aprendi bastante lá, fiz grandes amizades, não correu bem, não tive muitas oportunidade. Fui para lá graças ao Mohamed Darwich, meu ex-empresário, que foi uma pessoa muito fundamental na minha vida. Ajudou-me sempre que precisei. É algo que vou estar sempre agradecido”
A falta de oportunidades
“Eu quando fui para o Vasco da Gama era com ideias de ir para a equipa principal. Ainda hoje penso que teria capacidade e condições muito boas para chegar e ter mais oportunidades na equipa principal. Joguei nos u-20, foi bom mas não foi como eu gostava que tivesse sido.”
O regresso à Europa
“O Reading foi um dos clubes que mostrou interesse. Eu queria vir jogar para Inglaterra. É um clube muito bom.”
Na altura, o reading era liderado por um português, tens vários jogadores portugueses e outros que falam português. Tinhas estudado o Reading antes da mudança?
“Não, eu não conhecia muito do clube. Não tinha muita informação mas sabia que tinha o staff português. Aliás ainda hoje tem muitos jogadores brasileiros e portugueses. Ajuda imenso a questão da língua.”
A equipa principal e os sub-23
No Reading encontra jogadores como Matthew Miazga, jogador que está emprestado pelo Chelsea, George Pușcaș, internacional romeno, Tyler Blackett, atleta formado no Manchester United ou até mesmo Lucas João, o goleador português do Championship. Jogar com atletas desta qualidade é um privilégio?
“Jogar com estes atletas é magnífico. Com certeza, há muito mais ritmo, alto nível de competição, alta exigência. É muito bom estar neste nível. Ter atletas deste calibre dá importância e valor ao clube. Equipas como o Reading precisam de jogadores de nome e com experiência. Estar envolvido com profissionais desse tipo é uma sensação fantástica.”
Os treinos e a análise ao last match
“O meu dia a dia em Inglaterra é praticamente, acordar por volta das oito, chego ao centro de treino às nove, vou tomar o meu café da manhã, vou para a academia, tenho treino por volta das onze. Vamos almoçar todos juntos, depois faço um pouco mais de academia. Às vezes, depois do almoço, em alguns dias, vemos as partidas anteriores, analisar o nosso último jogo, passo quase todo o dia no centro de treinos. Faço todos os possíveis para aproveitar ao máximo aqui. Corro, vou para o ginásio, de tudo um pouco.”
José Gomes e a vontade de jogar em Portugal
“Quando cheguei ao Reading era José Gomes (agora treinador do Marítimo) que treinava o nosso clube, agora ele saiu mas ainda há jogadores portugueses e brasileiros na equipa. O mister José Gomes estava sempre a falar a brncar, era uma pessoa muito humilde, falávamos sempre sobre futebol.”
E jogar em Portugal? É uma opção?
“Jogar em Portugal? (risos) Gostaria algum dia de poder jogar em Portugal, não te sei dizer em que clube, mas adoraria jogar no campeonato português, jogar nos grandes clubes de Portugal.”