Entrevista a Umaro Baldé “A rivalidade do Rangers contra o Celtic é enorme”
10 min readAtualizado a 6 de Novembro
Deus quer, o homem sonha, a obra nasce.
Umaro Baldé vem atrás de um sonho, um sonho partilhado por milhões de jovens, uma oportunidade de uma vida surgiu quando foi convidado para se juntar ao Sporting Clube de Portugal.
As dificuldades encontradas na Guiné-Bissau não o fizeram desistir. Uma vida digna de Dante Alighieri. A vida dele apesar de ainda só ter dezasseis anos podia ser muito bem a Dívina Comédia, aliás, obra essa que poderia dar muito bem o nome a esta entrevista.
O objetivo inicial… era estudar
Veio muito novo para Portugal, com oito ou nove anos, o principal era estudar mas cedo encontrou o caminho para o futebol, o seu tio teve uma ideia que lhe agradava mas havia escolhas para fazer.
“O meu tio quando eu tinha nove anos queria levar-me para o Damaiense em 2011, tinha ficado um ano sem jogar, eu aceitei, só que a Damaia era muito longe de mim, eu vivo no Martim Moniz.”
“O pouco que tínhamos partilhávamos”
Nasceu na Guiné-Bissau, um país tropical na costa atlântica ocidental africana, conhecida pelos parques nacionais e pela vida selvagem. Umaro Baldé vivia dificuldades, tal como grande parte da população africana deste país.
“A vida na Guiné era difícil, não vou mentir, não me envergonho. Graças a Deus tinha os meus pais cá, o pouco que tínhamos conseguíamos partilhar.
As dificuldades eram várias, mas houve superação para tudo
A evolução dos tempos geram novas regalias. A evolução da tecnologia, da atual vida moderna, mas nem sempre foi assim, apesar de já ter nascido no Século XXI, na teoria o século da tecnologia, da globalização, Umaro Baldé como já reparou não teve um infância fácil.
“Nem sempre tive comida na mesa, nem sempre tive jantar, habituei-me apenas a comer o pequeno-almoço, para nós era a refeição mais importante do dia, muitas das vezes chegava à hora do jantar e não havia nada, fui muitas vezes para a cama com fome na barriga. Eu sabia que os meus pais não podiam”
O Damaiense e a dificuldade em conciliar as aulas… com o futebol
Com aulas até às seis e pouco, o treino a começar quase sempre antes das seis, para estar num lado não poderia estar no outro. Novas escolhas ditavam o caminho a ser traçado. Não ponderou e facilmente abdicou de ir às aulas.
“Na verdade lembro-me que o meu horário da escola e do treino não dava, o meu treino era na hora da escola, eu tinha treino às seis e quase todos os dias saia da escola depois das seis. Tive que faltar a muitas aulas para ir aos treinos. Pedi para mudarem os horários mas ninguém fez nada, ninguém mudou, então tive que escolher.
“Na escola sabia que não ia ser ninguém, no futebol posso vir a ser”
Dúvidas a pairar na cabeça, seria mais útil dedicar tempo ao futebol ou às aulas? Com a ideia de que poderia vingar no futebol, Umaro fez de tudo para agarrar a oportunidade e aproveitou.
“Na escola não estava concentrado, eu faltava muito às aulas, na escola eu sabia que não ia ser ninguém, no futebol posso vir a ser, até posso não conseguir, mas pelo menos sinto-me bem, divirto-me, sei que depende de mim, estou a trabalhar e tenho que me focar. Eu sabia que era melhor para mim, são escolhas que fazemos.”
A arte e o engenho de faltar às aulas
“Comecei a faltar tanto às aulas que as funcionárias da escola já começavam a memorizar a minha cara e já não me deixavam sair, mas com engenho lá conseguia sair das aulas e faltar.”
Questionei-lhe qual era o método que usava para contornar essa barreira, a resposta foi facilmente lembrada.
“Eu lembro-me muito bem disso (risos). Nós tinhamos um intervalo por volta das quatro e pouco, na minha caderneta sabiam que só podia sair depois da última aula, mas nesse intervalo eu podia sair, então levava as minhas coisas todas porque à saída não tinha que passar cartão. Caso tivesse que passar o cartão iria dar vermelho o que significaria que não poderia sair mais cedo, então comecei sempre a sair nesse intervalo, faltava sempre às duas últimas aulas”
O começo e as dificuldades de falar português.
Um menino nascido e criado na Guiné-Bissau em Portugal, a faltar às aulas, o seu português não era fluente, acabou por encontrar aqui uma barreira.
“A minha chegada ao Damaiense não foi fácil, tive que me habituar, o facto de não saber falar muito bem português dificultou-me. Contudo, lá me receberam todos muito bem, os meus companheiros, treinador, presidente.
Mas e os teus colegas, ainda sabes deles?
Lembro-me bem dos meus companheiros, confesso que não sei se ainda jogam, julgo que alguns ainda estão a jogar futebol, em equipas ditas “pequenas” mas eu acredito que com humildade e com trabalho, com a ajuda de Deus eles vão superar, espero eu. Desde que tenham cabeça e muito esforço e trabalho vão chegar onde querem. Eu acredito.”
O Torneio Lopes da Silva
Um dos torneios com maior scouting a nível nacional, um torneio para Sub-14. Teve a sorte de ser considerado o melhor jogador em 2016.
“O Torneio Lopes da Silva foi um grande torneio para nós, tínhamos uma grande equipa, o objetivo era ganhar. O torneio correu-nos muito bem, fomos campeões e levei o prémio de melhor jogador do torneio, agradeço a todos os meus colegas pela ajuda e cooperação. Tinhamos vários jogadores muito bons, o Bruno Tavares que está no Benfica, o Paulo Bernardo entre vários outros, era uma equipa de luxo.”
Até hoje esse foi o meu maior prémio, ando literalmente com ele para todo o lado, aliás, trouxe-o para Glasgow comigo. (risos)
O salto para o Sporting
“Não me lembro do nome do torneio, mas houve um na Amadora que jogamos contra o Sporting. Eles viram-me lá, era um torneio conhecido. Eu dei a vida nesse jogo. Então o Sporting falou com o presidente para eu ir treinar com eles e lá acabei por ir. Fiquei muito contente, quando lá cheguei fiz um treino muito bem, acabei por lá ficar.”
A felicidade e euforia de saber que tinha uma proposta do Sporting
“Na altura que recebi a proposta do Sporting fiquei eufórico, liguei logo para os meus pais, eles ficaram muito contente. Este era o meu objetivo, destacar-me no Damaiense e mudar-me para um grande, tinha cumprindo um dos meus objetivos. Estava ansioso que a época acabasse para me mudar. Fiquei muito feliz, os meus colegas sentiam a minha felicidade e também eles ficavam feliz.”
O objetivo? Fazer ano após anos para jogar nos séniores
Qualquer miúdo sonha em jogar na principal equipa do clube que representa, não fosse esse um dos maiores objetivos de todos. O suprassumo dos sonhos, o topo da montanha, representar o seu clube no escalão máximo.
“Obviamente que o meu sonho era chegar aos séniores do Sporting, como sabes tal não aconteceu, infelizmente não consegui, mas a vida continua, bola para a frente, confesso que fiquei triste, mas o Sporting é passado, já mudei o foco.”
A relação com Bruno de Carvalho
O antigo presidente do Sporting mencionou Umaro Baldé quando dizia que não vendia o jovem guineense por 25 milhões. A frase de Bruno de Carvalho ficou icónica.
“O senhor Bruno é uma pessoa que eu respeito muito, fez muito por mim enquanto esteve no Sporting, lembro-me de um jantar em que estivemos juntos, ele deu-me um cachecol do Sporting. Tinham acabado de lhe dar o cachecol, ele assinou e acabou por me dar a mim logo de seguida. (risos).
Os 25 milhões? Sim, na altura falou que não me vendia por 25 milhões, mas já é passado. (risos)”
A proposta do Rangers
Em Maio de 2019 começam a surgir notícias em sites escoceses que teria havido um acordo entre Umaro Baldé e o Rangers.
“Sim, começaram a espalhar notícias que haveria um acordo, mas na altura ainda não havia acordo nenhum, eles queriam mas não havia acordo, não havia nada em concreto que me levasse a rumar para a Escócia”
O medo de ver a transferência cair por terra
É um dos receios dos jovens futebolistas, há muitos jogadores com qualidades, quando um alvo se torna complicado, há logo outro para o substituir, o nosso entrevistado sentiu isso na pele, pensou que a transferência fosse quebrada, tal não viria a acontecer, mas contou-nos isso.
“Para ser sincero, houve uma altura em que pensei que a transferência fosse cair por terra. Eles demoraram muito tempo para efetuar a proposta.”
O problema com as fotos no Rangers quando assinou contrato
“Na altura quando assinei com o Rangers tirei umas fotografias. Tirei fotos a assinar, fotos com a camisola do Rangers, tínhamos enviado essas fotos para uma pessoa. Essa mesma pessoa publicou essas fotos sem autorização do meu agente, na altura faltava o Sporting concordar com as ideias do Rangers, toda a gente dizia que eu já tinha romado ao Glasgow Rangers. Sim, tinha as fotos mas era só para publicar quando fosse oficializado. Pensei que a transferência fosse cair por causa disso, mas Deus é grande e tudo correu bem, assinei e estou aqui.”
A saída do Sporting
Sair de um grande não é fácil, sentir-se empurrado para a saída também não, mas há escolhas que tem que ser feitas.
“Eu sai do Sporting porque não precisavam de mim, tinham jogadores melhores que eu. Custava mas eu aceitava sempre, na época passada joguei apenas quatro jogos, mas eu levantei a cabeça. Continuei sempre a trabalhar, nunca perdi o foco, nunca perdi o foco ou desmotivei. A altura iria chegar, mais cedo ou mais tarde, no Sporting ou não a oportunidade iria surgir.
Agradeço muito ao Sporting o que fez por mim, mas estou bem no Rangers, encontrei a estabilidade que precisava, estive muito triste a época passado porque não me deixavam jogar, aqui já tenho muitos minutos, continuo a falar com os meus amigos. Continuam a apoiar-me”
A despedida… pela porta pequena
“Foi mais ou menos isso que aconteceu, eles não contavam comigo, eles tinham-me dito isso na cara, eles disseram-me para arranjar um clube, ou que o mandariam por empréstimo para um clube dito mais pequeno. Eu queria fazer algo pela minha vida para a melhor. Surgiu o Rangers.
Mas sim, sinto que sai pela porta pequena.”
A vida na Escócia
Já tinha mudado da Guiné-Bissau para Portugal, agora em 2019, passado dez anos em terras de Camões, mudou-se para a Escócia.
“A vida na Escócia é muito diferente que em Portugal. Não só pela língua, mais pelas pessoas e pela cultura. Fala-se inglês, eu tenho ido à escola de inglês todos os dias para aprender a falar.
A vida aqui é calma, treino, volto para a casa, posso vir descalço, é a vida que eu gosto. Tenho tudo aqui, não me falta nada.”
A fantástica equipa do Glasgow Rangers
Não fosse o Rangers uma das equipas com mais história da Europa. A equipa liderada por Steven Gerrard tem à disposição condições fantásticas para usufruir, os escalões mais novos também.
“É uma instalação muito bonita, enorme. Vários ginásios, vários campos de relvado natural. Não estava à espera de ser algo tão grande, é diferente de Portugal. Por exemplo, no caso do Benfica e do Sporting dormes nas academias, aqui não, tens casa.”
Lusos contra escoceses na Champions?
Após o Glasgow Rangers ter ido a Portugal defrontar o FC Porto, é a vez do clube português ir à Escócia defrontar a equipa liderada por Gerrard. Questionado sobre este assunto, Umaro não tem dúvida, garante que o ambiente em Glasgow é infernal.
“Eu acho que em casa do Rangers, é muito difícil ganhar. O estádio cheio, os adeptos são incansáveis, espero que o Rangers ganhe para continuar a caminhar na Liga Europa. O ambiente é infernal.”
O mítico e emblemático Steven Gerrard
A pergunta foi simples: Já conviveste com Steven Gerrard?
Sim já, sempre que ele me vê na academia cumprimenta, o meu inglês também ainda está a melhor. Ele é uma lenda do futebol, espero vir um dia a ser treinado com ele.
É uma grande pessoa. Trata bem os miúdos. Dá oportunidade aos miúdos para treinar na equipa principal. Cumprimento-o sempre que o vejo. Quero muito ser treinado por ele.
A expectativa para a presente época
“A expectativa é fazer muitos minutos, chegar o mais rápido possível à equipa principal do Rangers, mas com calma, cada coisa a seu tempo, continuar a trabalhar, destacar-me.
O principal objetivo é trabalhar, trabalhar muito.”
A rivalidade com o Celtic, o Old Firm
Um dos clássicos mais escaldantes do mundo, o mítico e emblemático Old Firm. É um dos clássicos de futebol mais antigos do mundo e para muitos especialistas esta é a maior rivalidade do futebol mundial devido às divergências culturais e religiosas envolvidas.
“Não posso vestir roupas verdes (risos). A rivalidade é mesmo muito grande, uma das maiores, eu estou aqui para defender o Rangers. Eles não gostam de nós, nem nós deles, já fui ver o Rangers no Ibrox Stadium, estádio cheio, o Celtic a mim não me diz nada, estava uma atmosfera fantástica.”